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Fique de Olho nos seus Direitos: o Discurso de Ódio e a Liberdade de Expressão

Publicado: Quinta, 18 de Junho de 2020, 14h49 | Última atualização em Segunda, 22 de Junho de 2020, 14h31

O Comitê para a Promoção dos Direitos Humanos, Igualdade Étnico-Racial e de Gênero, do IFSP Câmpus Presidente Epitácio, coloca em foco a garantia de direitos e chama a atenção da comunidade para ficar de olho nos seus direitos nesse período de quarentena, para combater e minimizar as consequências da pandemia pelo COVID-19.

O nono tema abordado na campanha educativa “Fique de olho nos seus direitos em tempos de pandemia”, promovida pelo comitê, será uma reflexão e uma abordagem esclarecedora sobre discurso de ódio e a liberdade de expressão, afinal mesmo enfrentando uma crise de saúde, o Brasil necessita urgentemente também combater mais esse mal, que traz tantos prejuízos para as relações sociais e políticas no nosso país.

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O discurso de ódio se apresenta como um dos ângulos polêmicos da liberdade de expressão e entra em claro conflito com este e outros princípios fundamentais e direitos assegurados pela Constituição Federal, tais como a dignidade da pessoa humana e a igualdade.

O discurso de ódio pode ser compreendido como uma fala carregada de ideias intolerantes e que fere a dignidade humana de diversas minorias. Eis o paradoxo: é dever de uma sociedade democrática tolerar ou não os intolerantes? O Estado deve ou não dar liberdade de fala para narrativas carregadas de intolerância, por mais radicais que sejam?

Em tempos longínquos, ao iniciar o contato entre povos culturalmente diferentes, o ser humano passou a raciocinar e concluir que todos são dotados de liberdade e razão, independente de diferenças culturais. Logo, para proteger tais aspectos nasceram os direitos fundamentais, positivados em textos constitucionais, essenciais para proteger o espaço de cada homem como ser social.

Os direitos fundamentais são direitos personalíssimos e possuem caráter histórico, e desempenham o relevante papel de limitar e legitimar ações do Estado, combatendo o abuso de poder por parte deste. O Estado possui o dever de se posicionar como garantidor e protetor do conjunto de direitos fundamentais, adotando posições tanto positivas (como implementar condições ao exercício do direito), como também negativas (de não intervenção do Poder Público no espaço de autodeterminação e desenvolvimento do indivíduo).

Ao passo que nenhum direito pode ser considerado como absoluto, é desafio do Estado estabelecer e proporcionar harmonia entre todas as dimensões de direitos fundamentais, combinando liberdade e proteção social. Assim sendo, as garantias fundamentais sofrem limitações exatamente por não serem consideradas absolutas, ilimitadas ou ilimitáveis no ordenamento jurídico brasileiro. Isso se deve ao convívio em sociedade, onde preza-se pela máxima de que “o direito de um termina quando começa o do outro”. Ou seja, ideais coletivos como a ordem pública e a segurança são levados em maior consideração em determinados casos. Um exemplo que ilustra bem essa questão são as exceções ao princípio da inviolabilidade do domicílio quando em caso de facilitar uma investigação criminal. A privacidade do indivíduo é mitigada em detrimento da segurança pública.

No contexto da liberdade de expressão, que é um direito fundamental, a própria Constituição Federal e leis infraconstitucionais conseguem estabelecer certos limites. Um exemplo disso está no próprio artigo 5º, inciso IV, onde ao mesmo tempo que esta assegura a livre a manifestação do pensamento, a limita vedando o uso do anonimato. Na mesma linha de pensamento pode-se citar como exemplo o crime de injúria racial (qualificada prevista no art. 140, §3° do Código Penal). Em termos livres: o agente pode e deve manifestar suas opiniões e pensamentos, desde que sua ideia não seja dotada de ofensas à honra de alguém valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem. Nestes exemplos apresentados vê-se que a lei promoveu restrições de ordem ética e jurídica ao direito fundamental da liberdade de expressão para preservar o direito à dignidade da pessoa humana, princípio constitucionalmente assegurado.

Porém os limites às normas jusfundamentais não precisam, necessariamente, ter previsão expressa no texto constitucional ou em textos infraconstitucionais. Pelo contrário, podem existir limites não previstos na Constituição, em que, ainda assim, deverão respeitar requisitos constitucionais básicos. O Direito Brasileiro não aceita direitos absolutos (ou seja, não é inquestionável, rígido e que não comporta exceções), nem mesmo direitos fundamentais, uma vez que nenhum direito pode ser usado para prática de atos ilícitos (CAVALCANTE FILHO, 2002).

Ou seja, os direitos podem, no caso concreto, serem relativizados. Logo, isto é o que acontece quanto à limitação ao direito da liberdade de expressão, estando tais limites presentes justamente na própria Constituição Federal quando cita no inciso V a indenização por dano moral ou à imagem e no inciso X a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas. Além disso, diz Sarmento (2006, p. 46) que “outros bens e valores constitucionais com que a liberdade de expressão pode colidir em casos concretos, como o devido processo legal, a proteção à saúde e a própria igualdade”.

O discurso de ódio é uma linguagem violenta que pode causar danos reais, principalmente ao se analisar o cenário online e a era da pós-verdade na qual estamos inseridos. Um discurso não se limita apenas a uma fala ou a simples palavras sem eficácia, mas sim, quando com alta carga de ódio, possui capacidade de conquistar adeptos e seguidores, incitar crimes e ofender a dignidade humana e o tratamento igualitário.

Portanto, assegurar a liberdade de expressão não significa conivência com o discurso de ódio, pois nenhum direito é absoluto, sobretudo quando há o choque de direitos fundamentais. Diante dessa compreensão a sociedade brasileira necessita superar essa falácia, desconstruir justificativas para discursos de ódio baseadas na liberdade de expressão e promover de fato diálogos e debates que favoreçam o desenvolvimento do país.

 

* O Comitê para a Promoção dos Direitos Humanos, Igualdade Étnico-Racial e de Gênero do IFSP Câmpus Presidente Epitácio gostaria de agradecer a Michelle Rodrigues, Graduada em Direito, que atendeu prontamente ao nosso convite e colaborou com a escrita desse texto.

 

Para saber mais:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

CAVALCANTE FILHO, João Trindade. Teoria geral dos direitos fundamentais. Disponível em <http://www.tvjustica.jus.br/apostilas_saber_direito>. Acesso em 18 mar. 2017.

SARMENTO, Daniel. A liberdade de expressão e o problema do “Hate Speech”. In: Daniel Sarmento, blog do autor, 2006. Disponível em: <http://www.danielsarmento.com.br/wp-content/uploads/2012/09/a-liberade-expressao-e-o-problema-do-hate-speech.pdf>. Acesso em: 30 maio 2017.

Para ler os outros textos da Campanha “Fique de olho nos seus Direitos em Tempos de Pandemia”, acesse: https://pep.ifsp.edu.br/index.php/comite-para-promocao-dos-direitos-humanos?layout=edit&id=1642

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