FIQUE DE OLHO NOS SEUS DIREITOS: ACESSIBILIDADE E INCLUSÃO EM MEIO À PANDEMIA
O Comitê para a Promoção dos Direitos Humanos, Igualdade Étnico-Racial e de Gênero, do IFSP Câmpus Presidente Epitácio, coloca em foco a garantia de direitos e chama a atenção da comunidade para ficar de olho nos seus direitos nesse período de quarentena, para combater e minimizar as consequências da pandemia pelo COVID-19.
O sexto tema abordado na campanha educativa “Fique de olho nos seus direitos em tempos de pandemia”, promovida pelo comitê, será os desafios para a garantia da acessibilidade e inclusão nesse momento em que estamos vivendo.
A luta das pessoas com deficiência para terem garantidos e efetivados seus direitos de acesso e participação é de longa data. Sassaki (2010) apontou a existência de 4 diferentes períodos deste processo, sendo:
- Exclusão: na época em que algumas sociedades priorizavam o poderio militar e outras eram hierarquizadas pela influência íntima das religiões, as pessoas com deficiência eram descartadas, por não servirem às batalhas ou, então, acusadas, perseguidas e mortas por serem a elas atribuídas características malignas. As pessoas com deficiência eram comumente abandonadas após o nascimento e, aquelas que sobreviviam, eram escondidas e isoladas como animais.
- Segregação: nesta fase, foi concedido o direito à vida. As pessoas com deficiência passaram a ter sua vida preservada, mas suas peculiaridades continuavam não aceitas na sociedade. Eram isoladas em instituições assistenciais, consideradas, agora sob um olhar clínico, pessoas doentes que necessitavam de cura.
- Integração: o avanço desta fase se dá na medida em que começa a surgir a intenção de retirar as pessoas com deficiência das instituições e aloca-las junto ao convívio social. Todavia, para que tal convívio fosse efetivo, as pessoas com deficiência deveriam se adequar as necessidades de uma sociedade imutável. Ou seja, a pessoa com deficiência, para usufruir do convívio social deveria se adequar a este e, nunca ao contrário.
- Inclusão: já nesta fase, que é a mais recente, a sociedade reconheceu que ela precisa se adequar de forma a proporcionar a efetiva participação das pessoas com deficiência. Com o reconhecimento da diversidade, a sociedade fica mais plural e forte.
Após todo esse percurso, não é difícil perceber que, apesar desta divisão em fases, passando a ideia de uma sucessão no devido espaço temporal, é bem provável que, atualmente, encontremos características desses quatro períodos de forma concomitante em nossa sociedade, em maior ou menor grau.
Diversos dispositivos legais foram criados para efetivar o direito à cidadania da pessoa com deficiência. Entretanto, apenas em 2015 foi promulgada a Lei Brasileira de Inclusão, a Lei nº 13.146, de 6 de julho. Conhecida como o Estatuto da Pessoa com Deficiência, essa lei, em seu Art.1º, pretende “a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania” (BRASIL, 2015).
O estatuto define a pessoa com deficiência como:
aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (BRASIL, 2015).
Além de trazer conceitos importantes como de acessibilidade, e quais são as barreiras que impedem ou dificultam a inclusão, esta lei apresenta os direitos da pessoa com deficiência em várias esferas da vida social, garantido pleno exercício da cidadania.
É sabido, no entanto, que as dificuldades que as pessoas com deficiência passam não serão sanadas apenas no âmbito da legislação, pois exigem da sociedade uma afirmação substancial da diversidade que é um processo bem mais moroso do que a promulgação de uma lei.
Ademais, o desafio da pandemia do Covid-19, além dos óbvios desafios para a saúde, favoreceu também que as desigualdades até então escondidas na urgência do cotidiano fossem trazidas a superfície, sobretudo a estas pessoas.
No âmbito da educação, para pegarmos apenas um dos exemplos possíveis, a pandemia e os devidos cuidados sanitários cessaram as aulas presenciais e colocaram os estudantes em aulas e atividades à distância de forma abrupta. A Portaria nº 343, de 17 de março de 2020, do Ministério da Educação autorizou, em caráter excepcional, enquanto durar a pandemia, a substituição do ensino presencial pelo à distância.
O Conselho Nacional de Educação (CNE), em 28 de abril de 2020, delineou diretrizes para orientar as escolas durante a pandemia e apresentou uma seção sobre a educação especial na qual define que os poderes locais responsáveis pela educação devem “assegurar medidas locais que garantam a oferta de serviços, recursos e estratégicas para que o atendimento dos estudantes da Educação Especial ocorra com padrão de qualidade”. E ao finalizar essa sessão informa:
Algumas situações requerem ações mais específicas por parte da instituição escolar, como nos casos de acessibilidade sociolinguística aos estudantes surdos usuários da Língua Brasileira de Sinais (Libras), acessibilidade à comunicação e informação para os estudantes com deficiência visual e surdocegueira no uso de códigos e linguagens específicas, entre outros recursos que atendam àqueles que apresentem comprometimentos nas áreas de comunicação e interação. (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2020)
No entanto, não fica explícito como realizar essas ações em uma modalidade de ensino à distância. Pode parecer simples, mas a inclusão presencial já é um grande desafio; à distância surgem complicações outras que podem não garantir a efetividade do ensino às pessoas com deficiência.
Um dos problemas evidentes e que afetam todos os estudantes é o acesso à tecnologia. O Grupo do Banco Mundial publicou uma cartilha com informações para as políticas públicas de educação no Brasil durante a pandemia. Entre os principais desafios, estão:
(i) à falta de familiaridade com as ferramentas utilizadas no ensino EaD, (ii) à falta de um ambiente familiar motivador ao aprendizado online bem-sucedido, (iii) e à falta de congruência entre o que antes era ensinado em sala de aula e o que passa a ser ensinado online. (GRUPO DO BANCO MUNDIAL, 2020).
No contexto da educação inclusiva ainda não existem muitos estudos sobre os reais impactos desta mudança repentina de modalidade de ensino e também sobre estratégias que possam romper algumas barreiras que surgiram com o implemento da educação à distância em instituições até então presenciais. Contudo, é possível imaginar as dificuldades que uma pessoa surda terá para acessar os conteúdos com tradução em vídeo se não possuir uma internet de qualidade, ou mesmo antes disso, a dificuldade do interprete de gravar, editar e disponibilizar na internet as gravações se não possuir uma internet de qualidade. Quais seriam as dificuldades de um estudante cego ao utilizar os conteúdos de uma plataforma de ensino se não dispor em casa de equipamentos com leitores de telas? Como será a relação de um professor mediador com o estudante com deficiência intelectual para acompanhar à distância sua aprendizagem?
Enfim, poderíamos elencar uma série de perguntas sobre como organizar o ensino à distância para as pessoas com deficiência. Fica claro, portanto, que não há uma resposta única e que cada instituição escolar, em sua íntima relação com os estudantes com deficiência deverá determinar as estratégias que serão utilizadas no processo de ensino-aprendizagem. O fato é que o direito à educação (presencial ou à distância), pautado no âmbito da inclusão, deve ser garantido também a estas pessoas.
Como foi discutido em nosso texto sobre a garantia do direito à saúde, no contexto da pandemia a prevenção está relacionada com a disseminação de informação segura a população acerca da doença, como sintomas e o momento correto de procura ao serviço de saúde. Observamos que são assuntos constantes na imprensa, mas nem sempre são conteúdos acessíveis as pessoas com deficiência. Em breve consulta ao site do ministério da saúde (https://www.saude.gov.br/campanhas/46452-coronavirus), podemos localizar materiais de orientação traduzidos em Libras, entretanto não há indicação se o site é acessível para pessoas com deficiência visual.
Deste modo, a partir desses dois exemplos, conseguimos observar avanços em nossa sociedade no sentido de ampliar as possibilidades de inclusão, mas fica claro que os desafios são enormes e encontram-se acentuados nesse momento de crise para a saúde. Cabe então, ao poder público, e toda sociedade, um maior engajamento e comprometimento com atitudes que favoreçam a inclusão e a acessibilidade.
* O Comitê para a Promoção dos Direitos Humanos, Igualdade Étnico-Racial e de Gênero do IFSP Câmpus Presidente Epitácio gostaria de agradecer ao Psicólogo do câmpus, Eduardo Fernando Nunes, Mestre em Psicologia e Representante do NAPNE, que atendeu prontamente ao nosso convite e colaborou com a escrita desse texto.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. 2015
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Proposta de parecer sobre reorganização dos calendários escolares e realização de atividades pedagógicas não presenciais durante o período de pandemia da Covid-19. Disponível em: https://www.cnm.org.br/cms/images/stories/Links/Texto_Referencia-_Reorganizacao_dos_Calendarios_Escolares_-_Pandemia_da_COVID-19_1.pdf. 2020
GRUPO DO BANCO MUNDIAL, Políticas Educacionais na Pandemia do Covid-19: o que o Brasil pode aprender com o resto mundo? Disponível em: https://institutoayrtonsenna.org.br/content/dam/institutoayrtonsenna/hub-socioemocional/politicas-educacionais-na-pandemia-do-covid-19.pdf. 2020
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. A Portaria nº 343, de 17 de março de 2020. Dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia do Novo Coronavírus - COVID-19. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 53, 18 mar. 2020. Seção I, p. 39.
SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. 8ª ed. Rio de janeiro: WVA, 2010.
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